Leite: da (Atroz) produção ao consumo

leite

Os seres humanos são os únicos que bebem leite de outra espécie. Todos os animais param de beber leite por completo após o desmame. Não é natural um cão beber leite de uma girafa. Assim, uma criança beber o leite de uma vaca é igualmente estranho. O corpo humano tem tanta necessidade de leite de vaca como de leite de égua ou de girafa …” Michael Klaper

A partir do início do século XX as explorações leiteiras começaram a emergir em força. Hoje, as antigas quintas são autênticas fábricas com vacas ordenhadas intensivamente por máquinas de sucção em linhas de montagem, placas giratórias, transporte tubular do leite (pipelines) por sistemas de vácuo, chegando até, em alguns casos, à instalação de sistemas de registro do volume de leite e arquivos estatísticos da produção de cada animal para avaliar a sua produtividade e, em última analise, decidir a sua viabilidade, ou seja, vida. Nasceu a indústria leiteira com vista a, como qualquer outra indústria, maximizar a produção em detrimento da qualidade. Ora, esta questão torna-se bastante delicada quando se trabalha com seres vivos que sofrem de enfermidades físicas e possuem um sistema nervoso que, para além de sentirem dor (para o qual muitas pessoas não estão sensibilizadas, isto é, se são animais e não são racionais não faz mal o modo como são tratados), também sofrem de stress. A idade normal de uma vaca é de 25 anos, na indústria elas resistem apenas 4 – 5 anos (1/4 do seu ciclo de vida natural), reflectindo o desgaste destes animais.

Devido ao modo como são criadas e tratadas (inseminação de repetição, ordenha intensiva, ingestão de múltiplos medicamentos e substâncias para serem forçadas a produzir 10x mais do leite que o normal), as vacas da indústria leiteira sofrem de múltiplas afecções físicas. De facto, num estudo recente (Castro e tal., 2009) foram diagnosticadas 413 patologias em bovinos leiteiros, incluindo doenças metabólicas, infecções e alterações com origem na inseminação de repetição (vacas repetidoras). As enfermidades físicas mais habituais incluem mastite (uma óbvia inflamação das tetas…), endometrite, metrite e perimetrite (inflamações infecciosas a nível do útero), alterações de metabolismo (febre do leite, cetose) e lesões (ex.: claudicação ou “vaca manca”). Adicionalmente, por mais abstractas que possam parecer as emoções num animal, o facto é que a nível biológico são sobejamente reconhecidas as alterações nefastas que uma situação de stress contínuo produz no organismo. Assim, a constante libertação para o organismo de hormonas do stress (cortisol) origina fadiga, tensão muscular, náuseas, confusão mental, ansiedade, medo, irritabilidade, entre outros, o que leva a desequilíbrios crónicos a nível do sistema nervoso, hormonal e de defesas. Isto é, um ser vivo em constante estado de stress é um ser doente com um sistema de defesas frágil que o torna vulnerável a inúmeras infecções. É deste ser vivo enfermo que se extrai leite incessantemente para alimentar as crianças com a persuasão de que este é um alimento “saudável” …

 

É do conhecimento geral que durante a fase de amamentação se dá uma transferência para o leite materno das moléculas e substâncias que circulam no organismo da progenitora. Daí aconselhar-se a mãe a ter um estilo de vida saudável, relaxado, evitando a toma de inúmeras substâncias durante a gravidez e lactação. É lógico de concluir que este facto é válido para todos os seres vivos, incluindo as vacas. No entanto, as vacas das indústrias leiteiras são grandes consumidoras de medicamentos e de hormonas (que são veiculados para o leite), entre muitas outras substâncias, de modo a manter um nível mínimo de saúde produzindo o máximo de leite. Afinal de contas, estamos perante um negócio que há que rentabilizar. A contaminação do leite comercial (Farlow e tal., 2009) levou ao desenvolvimento de testes de triagem capazes de detectar até 150 (!) medicamentos veterinários correntemente usados em vacas leiteiras (Ortelli, 2009). Algumas destas substâncias são polémicas como, por exemplo, a Posilac (somatotropina bovina recombinante) da Monsanto, uma hormona modificada que se injecta nas vacas para aumentar a produção de leite. Há alguns anos a União Europeia baniu (finalmente!) o uso de Posilac nas vacas leiteiras devido às provas científicas que apontavam para efeitos negativos destas substância nos animais (http://renchemista.wordpress.com/2010/05/04/eu-committee-for-veterinary-medicinal-products-report-on-animal-welfare-aspects-of-the-use-of-bovine-somatotropin-rbst-or-posilac/). Resta como consolo saber que, até lá, todos beberam deste leite … Continua a acreditar que o leite produzido por estes animais doentes, mal tratados, criados em situações de higiene precárias, stressados, confinados, medicamentados até à exaustão, é saudável para o seu filho??!

 

Há também que saber que para manter a produção de leite as vacas têm de ser mantidas em constante fase de lactação por ciclos de inseminação artificial, gravidez e parto, ou seja, paralelo à produção de leite existe a produção de bezerros. Qual então o destino destes “subprodutos” da industria leiteira, isto é, dos bezerros nascidos para manter a produção de leite? Os bezerros são retirados das suas mães entre umas horas até uns dias após o parto, sendo os machos destinados à produção de carne e as fêmeas ao mesmo destino das mães. Os machos destinados a dar carne branca (100 – 200 kg de peso com 3 meses de idade) são alojados em cubículos (baías / caixas) individuais onde não se podem mexer e onde o sol nunca brilha (porque com o desespero os animais movimentavam-se “demasiado” criando úlceras e, os agroprodutores, decidiram que ao mantê-los na escuridão total os animais ficariam mais sossegados…), e privados de qualquer alimento para além de uma dieta líquida com um substituto artificial de leite deficiente em ferro. A carne fica tenra e macia porque o animal assim imobilizado não cria massa muscular e a reduzida quantidade de ferro torna-o anémico (apenas se fornece a quantidade necessária para que não morra até ao abate), o que faz que muitos comam os seus próprios excrementos (quando o conseguem fazer no seu espaço confinado…) devido à avidez de minerais. São animais sujeitos a infecções (daí a necessidade da constante administração de antibióticos), doentes e criados em condições de stress extremas. Mas bem, é esta carne de vitela “tenrinha” e clarinha que tanto se aprecia e pela que se paga um preço de ouro num restaurante muito fino e limpo, e bom apetite! A carne rosada (250kg de peso, 6 meses de idade) é produzida com ração concentrada, o resto do (infeliz) tratamento) é similar. A forte mobilização e denúncia por grupos de direitos de animais (ex.: PETA People for the Ethical Treatment of Animals) da crueldade envolvida na produção da carne de vitela tem contribuído para banir estes métodos e melhorar as condições de criação. Na União Europeia, a produção de carne de vitela pelo “método de caixas” foi proibida em 2007. Gostaria sinceramente de acreditar que este método já não se pratica e de que as condições de saúde e vida são asseguradas para estes animais. No entanto, não sei qual o novo método que veio substituir o “método das caixas” para a criação de carne tenra, sem massa muscular e branquinha. Obviamente que aos agroprodutores não lhes falta “imaginação” para desenvolver outro “magnífico” método similar ao anterior…

 

Como lufada de ar fresco, certas quintas biológicas (ex.: Suiça, Espanha, Grã-Bretanha) descobriram que quando as vacas são ordenhadas ao som de música clássica (“Efeito Mozart”; Lee, 2007) o volume de leite produzido é maior. Assim, quando finalmente decidiram tratar com dignidade os animais com veterinários holísticos, pasto natural, duches de limpeza e música clássica, não só as vacas aumentaram a produção mas também a qualidade do produto final era superior. De facto, os resultados são melhores do que ao injectar as vacas com Posilac! Afinal, o bem sempre compensa! Seria óptimo que estes métodos fossem adoptados em maior escala.

 

A União Europeia é o maior produtor de leite a nível mundial com 144.000 toneladas produzidas anualmente (!) com autênticos monopólios e impérios instalados no comércio dos lacticínios. Como tal, é fácil de entender que este produto industrial tenha de ser escoado no mercado à custa de uma forte campanha de marketing em que o leite é anunciado como um dos alimentos básicos da humanidade. Uma análise detalhada das inúmeras investigações científicas que corroboram esta propaganda revela que estas são, por coincidência, financiadas pela indústria leiteira. Assim, para uma análise crítica, há que recorrer a trabalhos independentes. De facto, há já algum tempo que se publicam estudos que apontam para um efeito pouco favorável da toma repetida de leite em humanos (ex.: Cumming & Klineberg, 1994).

 

O mito do leite vingou pelo mundo na crença de que esta bebida rica em cálcio e proteína é essencial ao nosso crescimento e saúde dos ossos. O marketing foi tão bem sucedido que hoje em dia a palavra leite e cálcio estão directamente associadas na mente popular. No entanto, num artigo de revisão, Lanou et al. (2005) conclui que não se encontram evidencias para apoiar a noção de que a ingestão de leite e derivados promove a mineralização dos ossos em crianças e adolescentes ou de que os lacticínios deveriam ser a fonte prioritária de cálcio. De facto, o cálcio presente no leite não é mais assimilável que o cálcio de fontes vegetais. Esta investigação conclui que os factores mais importantes para a manutenção de uma saúde óssea são o exercício físico regular, sol e uma dieta nutritiva, rica em fruta fresca e vegetais evitando álcool, cafeína e tabaco (Lanou e tal., 2005). Porque, para uma boa saúde dos ossos o organismo necessita também de vitamina D, vitamina K, magnésio, cobre, boro, zinco, flúor, fósforo e potássio. Muitos argumentam que, por mais delicioso que os produtos lácteos possam ser, sugerir que necessitamos de 1 – 2 copos diários da secreção das tetas de uma vaca de modo a sermos saudáveis é escandaloso e não se encaixa no nosso perfil evolutivo. Cada mamífero possui o leite materno adequado à sua espécie. Assim, o leite de vaca que contem 3x mais proteína que o leite humano, é indicado para crescer os pequenos bezerros em animais de centenas de quilos em poucos meses. As crianças necessitam de uma dieta saudável e nutritiva, exercício regular, sono reparador, entre outros factores, para crescerem saudáveis, mas será que necessitam realmente do leite de outra espécie? Adicionalmente, o leite, sendo uma proteína animal concentrada, é um alimento acidificante e o organismo tem de retirar minerais (incluindo cálcio) dos ossos para neutralizar esta acidez. Isto é, numa dieta demasiada rica em fontes de proteínas concentradas, como carne e lacticínios dá-se uma retirada de cálcio dos ossos de modo a neutralizar o pH ácido induzido no organismo pela ingestão destes alimentos. Também, como explicar que nos países em que não se consomem lacticínios, ou em que o seu consumo é reduzido (ex.: países asiáticos a africanos), há menos incidência de osteoporose e fracturas? E que devido à recente ocidentalização da sua dieta alimentar, em que o consumo de lacticínios é frequente e em quantidade elevada, tem-se verificado um aumento do número destes casos? Necessitamos de cálcio (como de outros minerais) e existem várias fontes para o obter menos controversas e mais saudáveis. Na verdade, cerca de 70% da população mundial obtém o cálcio a partir de fontes vegetais em vez de lacticínios.

 

O decréscimo da qualidade do leite devido aos controversos métodos de produção da indústria leiteira contribui para o aumento exponencial de alergias e intolerâncias, tanto à lactose, como às proteínas do leite. Mas, a intolerância à lactose é também um factor natural após o desmame. Nos povos em que não se consomem lacticínios após o desmame (o que deveria ser o ciclo natural de vida), o nível de produção de lactase (enzima que digere a lactose) desaparece natural e gradualmente. As alergias às proteínas do leite (ex.: caseína, lactoglobulina) podem causar diarreia crónica, deficiência de ferro, urticária, eczemas, dermatite, catarro das vias respiratórias, e afecções bastante mais graves. Não é por acaso que as crianças com catarro crónico melhoram impressionantemente após a eliminação dos lacticínios da sua dieta alimentar. Adicionalmente, tem-se verificado que a firme convicção de que ao dar leite às crianças estas já crescem saudáveis, tem implicado que as dietas infantis sejam cada vez mais pobres e menos nutritivas, com uma ingestão limitada de alimentos importantes como frutas, vegetais, cereais integrais, frutos secos oleaginosos, sementes, entre outros.

 

Finalmente, existem variadas fontes de cálcio de origem vegetal que são boas opções para a obtenção de um nível adequado deste mineral, incluindo vegetais de folhas verdes (ex.: brócolos, couve, repolho, couve-de-bruxelas salsa, agrião), fruta desidratada (ex.: figos, alperces), frutos secos oleaginosos (ex.: amêndoas, castanha-do-brasil), sementes (ex.: sementes de sésamo), leguminosas (ex.: ervilhas, feijões, lentilhas, soja e derivados como o tofu e leite de soja), cereais (ex.: quinoa, amaranto, milho, trigo, arroz integral), germinados (ex.: de alfafa, consulta mais detalhes AQUI) e melaço. Os leites vegetais de amêndoa, aveia, quinoa, arroz, soja, entre outros, são ricos em cálcio e mais digeríveis que o leite de vaca. Se quer continuar a ingerir leite de origem animal, dê preferência a lacticínios de outros animais (ex: cabra, ovelha). Se prefere lacticínios de vaca, então, para o seu Bem e dos animais, dê especial preferência a produtos de origem biológica de modo a evitar ao máximo todas as atrocidades que se cometem desde a produção ao consumo deste alimento.

 

Maktub

Sofia Loureiro

Autora:
Guia de Remédios Naturais para Crianças
Guia de Remédios Naturais para Mulheres
Guía de Remedios Naturales para Niños

FACEBOOK: Guia de Remédios Naturais

BLOG: SoPro Verde

GOODREADS (perfil de autora): Sofia Loureiro

Terapeuta Natural  & Escritora
Lic: Biotecnologia
Doutoramento: Química do Ambiente
Formação em Terapias Naturais

Foto: Glass of Milk

Bibliografia e Referências:

Castro, D., Ribeiro, C., Simões, J., 2009. Medicina da produção: incidência e distribuição de doenças metabólicas em explorações de bovinos de elevada produção leiteira na Região de

Aveiro, Portugal. Pubvet 3(2) http://veterinaria.com.pt/media//DIR_174423/Simoes487.pdf

Cumming, R.C., Klineberg, R.J., 1994. Case-Control Study of Risk Factors for Hip Fractures in the Elderly. Am. J. Epidemiol. 139 (5):493-503.

Cohen, R. 1998. Milk the Deadly Poison. Ed. Argus. Apresentação em inglês: http://www.youtube.com/watch?v=tYpafipJyDE

Farlow, D.W., Xu, X., Veenstra, T.D., 2009. Quantitative measurement of endogenous estrogen metabolites, risk-factors for development of breast cancer, in commercial milk products by LC–MS/MS. J. Chromatogr. B 887(13):1327-1334

Fehily, A.M., et al., 1992. Factors affecting bone density in young adults. Am J Clin Nutr 56(3):579-86.

Lanou, A.J., Berkow, S.E., Barnard, N.D., 2005. Calcium, Dairy Products, and Bone Health in Children and Young Adults: A Reevaluation of the Evidence. Pediatrics 115(3):736-743.

Lee, R., 2007. The Moozart Effect. abcNews

Munger, R.G., Cerhan, J.R., Chiu, B.C.H., 1999. Prospective study of dietary protein intake and risk of hip fracture in postmenopausal women. Am. J.Clinical Nut. 69:147–152.

Ortelli, D., Cognard, E., Jan, P., Edder, P., 2009. Comprehensive fast multiresidue screening of 150 veterinary drugs in milk by ultra-performance liquid chromatography coupled to time of flight mass spectrometry. J. Chromatogr. B 887(23):2363-2374

Oski, F.A., 2010. Don’t Drink Your Milk!: New Frightening Medical Facts About the World’s Most Overrated Nutrient. Ed. Teach Services Pequeno resumo: http://www.saudeintegral.com/artigos/nao-beba-leite.html

Sellmeyer, D.E., Stone, K.L., Sebastian, A., Cummings, S.R., 2001. A high ratio of dietary animal to vegetable protein increases the rate of bone loss and the risk of fracture in postmenopausal women. Am. J. Clinical Nut. 73:118–122.

Woodford, K., 2007. Devil in the Milk: Illness, Health, and the Politics of A1 and A2 Milk. Ed. Craig Potton

 

Consultar:

Para doenças e desordens relacionadas com ingestão de leite (em inglês): http://www.notmilk.com/

Para substâncias presentes no leite (em inglês): http://www.healthforwardonline.com/alt_health/MILK/MILK_a%20deadly_poison.htm

Para Posilac: http://henriquecortez.wordpress.com/2009/03/20/pressionadas-pelos-consumidores-empresas-dos-eua-comecam-a-abolir-produtos-com-somatotropina-bovina-recombinante-rbst/

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